domingo, 21 de setembro de 2008

Todos os Homens são maricas quando estão com gripe

Pachos na testa Terço na mão Uma botija Chá de limão Zaragatoas Vinho com mel Três aspirinas Creme na pele Dói-me a garganta Chamo a mulher Ai Lurdes, Lurdes Que vou morrer Mede-me a febre Olha-me a goela Cala os miúdos Fecha a janela Não quero canja Nem a salada Ai Lurdes, Lurdes Não vales nada Se tu sonhasses Como me sinto Já vejo a morte Nunca te minto Já vejo o inferno Chamas diabos Anjos estranhos Cornos e rabos Vejo os demónios Nas suas danças Tigres sem listras Bodes de tranças Choros de coruja Risos de grilo Ai Lurdes, Lurdes Que foi aquilo Não é a chuva No meu postigo Ai Lurdes, Lurdes Fica comigo Não é o vento A cirandar Nem são as vozes Que vêm do mar Não é o pingo De uma torneira Põe-me a santinha À cabeceira Compõe-me a colcha Fala ao prior Pousa o Jesus No cobertor Chama o doutor Passa a chamada Ai Lurdes, Lurdes Nem dás por nada Faz-me tisanas E pão-de-ló Não te levantes Que fico só Aqui sozinho A apodrecer Ai Lurdes, Lurdes Que vou morrer.

António Lobo Antunes

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